Na noite de quinta-feira, 25 de abril, a Assojubs Santos recebeu a defensora pública Isadora Brandão, que conduziu a palestra Violência contra a mulher: “Um debate necessário e urgente”, que apresentou aos presentes uma abrangente reflexão sobre o tema, seus avanços e dificuldades, e a importância da Lei Maria da Penha.
Isadora Brandão é coordenadora do Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e Igualdade Racial da Defensoria Pública e doutoranda em Direitos Humanos pela USP (Universidade de São Paulo). Seu interesse pelo tema foi despertado durante a graduação e posteriormente, já como defensora, atuou pela vara de violência doméstica contra mulher. Em 2006, ano de publicação da Lei Maria da Penha, uma então novidade no mundo jurídico, ela observou que a lei era um instrumento surgido apenas para reforçar a função do controle social que o Direito Penal já cumpria. Tal entendimento a incomodava: “Me pareceu uma análise um tanto quanto simplista, foi quando comecei a estudar sobre o assunto”.
No conceito da Lei Maria da Penha, a violência contra a mulher é caracterizada por quaisquer condutas que ofendam a integridade ou saúde corporal. Hoje, há um entendimento até mais amplo, um exemplo é: se o homem cortar o cabelo da mulher sem que seja um desejo dela, pode ser enquadrado nesse aspecto.
De acordo com a defensora, a lei potencializou os dispositivos penais, estabelecendo o conceito do que é violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. E o que é feito, dentro de uma vara criminal, é tentar enquadrar determinados tipos penais nessas modalidades de violência. Isadora ressaltou que a psicológica é a mais difícil de detectar, é a mais frequente e gera um impacto muito grande na saúde mental da mulher, um nível de fragilidade que torna difícil a ruptura com o ciclo.
A violência contra a mulher possui uma dinâmica específica de funcionamento, opera de uma forma cíclica, com um processo regular e fases bem definidas, tais como: 1) tensão do homem e medo da mulher, momento em que começa a haver um tensionamento na relação por qualquer motivo, associado à reprodução de padrões de gênero tradicionais; 2) agressão do homem e cólera ou tristeza da mulher, quando a tensão chega ao ato do ataque físico ou psicológico, como mencionado antes; 3) desresponsabilização do homem e culpabilização da mulher, quando ela acha que fez algo errado e se sente responsável por desandar o relacionamento; 4) perdão do homem e esperança da mulher, quando ele diz que está arrependido e a situação não se repetirá, deixando ela nutrir uma expectativa de que pode seguir na relação sem que seja vítima de circunstância violenta.
E é nessa última fase que se dá o esquecimento. A partir do perdão, em que a mulher pondera muito os fatos, a época de lua de mel volta, o que dificulta a percepção cíclica do processo, como se vivenciasse pela primeira vez aquele tensionamento. É quando se torna uma aspiral ascendente, em que os espaços de convívio sem violência se tornam cada vez mais curtos.
A defensora lembrou que há uma tendência em atribui qualquer contexto como justificativa para o cenário de violência doméstica à mulher – alguns mais relacionados são o álcool e o consumo abusivo de drogas -, menos o machismo. Tais fatores têm relevância, mas não são os causadores. É a estrutura patriarcal, que estabelece um local determinado para a existência feminina, o de não empoderamento.
Uma desconstrução citada durante a palestra é acerca da ideia que se tem de que um estuprador é necessariamente um tarado, que vê uma mulher na rua e já ataca. Só que, na verdade, a grande parte da violência praticada contra a mulher são no seio familiar, dentro do ambiente doméstico, o que faz com que seja necessário refletir sobre o estereotipo do agressor sexual.
A defensora frisa que, apesar de todo o avanço sobre tal debate, há uma tendência a naturalizar. E a construção do que é violência é um processo constante, um processo social, de entender o que é uma conduta violenta. Práticas antes não entendidas como violentas, hoje já são vistas de forma diferentes. E, futuramente, outras práticas que não são dadas visibilidade hoje, podem vir a ser caracterizadas como violentas.
Em se tratando do Direito Penal, há algumas críticas. E uma delas é que ele age para a manutenção do patriarcado, se omitindo em face às condutas que violem o direito das mulheres. Por isso, ela defende a necessidade de haver uma tutela penal específica para a mulher em situação de violência doméstica.
Em relação à Lei Maria da Penha, Brandão entende que o melhor nela é a previsão das medidas protetivas, pois dialogam com a dinâmica do ciclo, com a ideia da repetição da violência e buscam evitar que se repitam e que a aspiral ascendente continue a funcionar.
Encerrando, ela destacou que é preciso um cuidado para não apostar muito em ferramentas penais de caráter simbólico. O recrudecimento de pena, a restrição de direito de execução não tem, em regra, nenhum impacto na redução da criminalidade. “Eu acredito mais em um conjunto de medidas que passa por acesso aos direitos sociais do que, propriamente, um momento de pena depois que o dano já aconteceu. Acho que as medias protetivas funcionam relativamente bem e devem ser um instrumento a ser potencializado, associada à outras políticas”.
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